Por Alessandra Lontra
Vivemos uma era em que viajar, para muitos, tornou-se sinônimo de “se mostrar viajando”. A câmera do celular virou bússola, e o desejo de registrar superou o de contemplar. Nesse cenário, o turismo perde parte de sua essência, e, em alguns casos, os destinos perdem até sua integridade.
Nos últimos anos, acumulam-se casos alarmantes de acidentes em pontos turísticos causados por imprudência na hora de tirar uma selfie. Em 2023, um relatório da Journal of Family Medicine and Primary Care apontou que mais de 370 pessoas morreram em situações diretamente relacionadas à busca de selfies perigosas no mundo. Penhascos, passarelas, cachoeiras e monumentos viram palcos de risco, não por causa do destino, mas do comportamento dos visitantes.
Mas os danos vão além da segurança individual. O impacto ambiental de um turismo voltado à estética e ao espetáculo é igualmente preocupante. Trilhas invadidas, flores arrancadas, ninhos destruídos, áreas de preservação natural convertidas em cenário, tudo em nome de uma imagem “instagramável”. A lógica do “eu estive aqui” tem deixado rastros visíveis nos lugares e invisíveis no senso de pertencimento que deveria nortear o turismo.
E o que dizer das populações locais? Em muitos destinos, moradores têm suas rotinas invadidas, rituais registrados sem permissão, espaços religiosos tratados como cenário. Não há filtro bonito que apague o desrespeito.
Um exemplo recente ilustra bem essa distorção. No Palazzo Maffei, em Verona, na Itália, um casal que visitava o museu quebrou uma cadeira coberta com cristais Swarovski, obra do artista Nicola Bolla inspirada em Van Gogh, ao tentar simular uma pose para foto. A peça não era interativa. O casal fugiu após o incidente. O museu lamentou: a arte precisa ser admirada, não usada como adereço.
A fotografia, é claro, tem seu valor. Ela eterniza momentos, emociona, inspira. O problema começa quando a imagem se torna mais importante do que a vivência. Quando o registro vale mais que o respeito. E quando a viagem deixa de ser um encontro com o outro para ser apenas uma vitrine de si mesmo.
É urgente reconectar o turismo à sua vocação original: dialogar com o mundo, não o dominar com cliques. Um turismo que eduque o olhar antes de apertar o botão da câmera. Que valorize a paisagem sem precisar invadi-la. Que entenda que alguns momentos são tão preciosos que nem cabem em pixels, só na memória e no coração.
O clique perfeito pode sair caro demais. Para quem viaja, para quem recebe, para quem ainda virá.
Alessandra Lontra é jornalista multimídia especializada em Turismo, mercadóloga e turismóloga provisionada pela ABBTUR. Com mais de 40 anos de atuação estratégica, é referência nacional em inovação no setor, com forte atuação em governança, roteirização, comunicação digital e inteligência artificial aplicada ao turismo. Lidera o portal Ale Lontra – Notícias em Movimento para um Turismo Além do Óbvio