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Quando o debate ignora quem importa

Quando o tema exige presença e não aparece - Foto: Divulgação

A crítica que motivou este artigo surgiu após ler a reflexão publicada no LinkedIn pela amiga Marianne Costa, consultora de turismo, cofundadora do Instituto Vivejar e do Coletivo Muda pelo Turismo Responsável. Sua análise sintetizou uma inquietação que muitas de nós compartilhamos, mas que ainda não havia sido colocada com a clareza necessária. A partir daquela provocação, decidi aprofundar o tema sob a perspectiva do jornalismo e do território.

Mesmo com tantos avanços no debate sobre sustentabilidade e participação social, ainda assistimos a escolhas de curadoria que não dialogam com a realidade dos territórios. A situação ficou evidente na COP30, na Amazônia, onde wellness, ancestralidade e turismo comunitário foram colocados na mesma mesa como se fossem temas naturalmente compatíveis. Não são.

Quando o discurso se desconecta do território, wellness, ancestralidade e turismo comunitário não são a mesma conversa. Wellness está ligado ao universo do bem-estar individual e às práticas de autocuidado. Ancestralidade pertence a outra camada, mais profunda, vinculada à memória, às tradições e à continuidade cultural de povos que carregam essas histórias vivas. Já o turismo comunitário é um modelo de organização coletiva que depende de autonomia local, governança interna e decisões tomadas pelo próprio território.

O problema não está nos temas isoladamente. O problema está na forma como foram agrupados. Wellness segue uma lógica individual. Ancestralidade é construída no tempo coletivo. Turismo comunitário nasce da organização comunitária. Reunir esses três assuntos em um painel da COP30, na Amazônia, sem comunidades tradicionais, sem representatividade racial e sem pessoas que vivenciam ancestralidade ou gestão comunitária, compromete a integridade do debate.

É verdade que ancestralidade pode dialogar com turismo comunitário, mas esse vínculo só existe quando a própria comunidade decide trazê-lo para suas experiências. É um movimento interno, orgânico e coerente, que nasce do território e das pessoas que o habitam. Não é algo que possa ser determinado de fora. Muito menos por curadorias alheias à complexidade amazônica.

Por isso a combinação apresentada na COP30 não faz sentido. Falar de ancestralidade sem representantes ancestrais e de turismo comunitário sem comunidades é ignorar quem deveria conduzir o debate. Acrescentar wellness a essa mistura reforça a desconexão entre contexto e conteúdo. Não se trata de mercado. Não se trata de tendência. Trata-se de responsabilidade com os temas e com as pessoas.

A Amazônia não é cenário. É contexto. É território vivo, onde ancestralidade tem rosto, nome e trajetória. Onde turismo comunitário tem método, governança e propósito. Onde wellness só faz sentido se colocado em seu próprio lugar, sem tentar ocupar discursos que não lhe pertencem.

Evitar equívocos como esse exige algo simples: começar pela escuta. Curadorias precisam priorizar quem vive o tema, não quem repete palavras que parecem modernas. Painéis sobre ancestralidade precisam incluir pessoas ancestrais. Mesas sobre turismo comunitário devem ser conduzidas por comunidades. E qualquer discussão sobre território deve, necessariamente, incluir quem pertence a ele.

O Brasil tem conhecimento técnico, práticas sólidas e diversidade cultural suficientes para conduzir esses debates com profundidade. O que falta não é conteúdo. Falta cuidado. Falta coerência. Falta reconhecer que certos assuntos exigem presença real e protagonismo dos territórios.

Um debate só tem sentido quando inclui quem realmente importa. O resto se transforma em ruído. E ruído, quando se fala de Amazônia, ancestralidade e comunidades, é algo que não podemos mais permitir.

Alessandra Lontra é jornalista multimídia especializada em Turismo, mercadóloga e turismóloga provisionada pela ABBTUR. Com mais de 40 anos de atuação estratégica, é referência nacional em inovação no setor, com forte atuação em governança, roteirização, comunicação digital e inteligência artificial aplicada ao turismo. Lidera o portal Ale Lontra – Notícias em Movimento para um Turismo Além do Óbvio. www.alelontra.com.br.

Um comentário
  1. Elzário P.S. Júnior

    Ainda bem que a temática prlo menos foi lembrada e escolhida pra ser discutida e apresentada na diversidade de temas na COP30 e os outros atores do mercado turístico que nem deram a mínima pra COP30, ninguém critica?

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