Por Alessandra Lontra,
A turistificação já não é mais um alerta, é uma realidade que se impõe em várias partes do mundo. E o Brasil, ainda que negue, também está vivendo suas próprias versões desse fenômeno.
Em Veneza, visitantes precisam pagar para entrar. Em Amsterdã, os próprios moradores pedem que os turistas fiquem longe. Em Lisboa, bairros históricos como a Alfama foram quase inteiramente tomados por aluguéis temporários. O que essas cidades têm em comum? Todas enfrentam o impacto do chamado overtourism, o turismo excessivo que sufoca o cotidiano e ameaça a permanência da população local.
Na Espanha, na Itália, em Portugal e na Grécia, o incômodo virou protesto. O que antes era motivo de orgulho, ser um destino desejado, agora é visto como um fardo. A superlotação, a alta nos preços, a perda de identidade e o barulho constante vêm provocando reações fortes. Medidas como taxas turísticas, limitação de cruzeiros e proibição de novos hotéis vêm sendo adotadas como tentativa de contenção.
E se parece um problema distante, não se engane: o Brasil também começa a vivenciar a sua própria turistificação.
O termo pode parecer novo para alguns, mas seus efeitos já são bem conhecidos. Trata-se da transformação de bairros, cidades e comunidades inteiras em produtos voltados quase exclusivamente para o consumo turístico. A cultura local vira vitrine. O morador vira coadjuvante. A cidade deixa de ser lugar de vida e passa a ser cenário.
E o mais preocupante: tudo isso, muitas vezes, acontece em nome do “desenvolvimento”.
A turistificação não é uma consequência inevitável do turismo, ela é fruto de escolhas ruins, ausência de regulação e falta de planejamento participativo. É quando o número de visitantes cresce sem controle, quando os lucros falam mais alto do que a qualidade de vida, quando o discurso da valorização cultural esconde a substituição da identidade real por uma versão pasteurizada.
Os gestores públicos têm papel central nesse cenário. São eles que definem o que pode ou não acontecer com o território: a liberação de aluguéis por temporada, a construção desordenada, a ausência de limites, a negligência com o comércio tradicional. Regular é necessário, e urgente.
As comunidades locais, por sua vez, não podem continuar sendo tratadas como peças decorativas de projetos turísticos. Elas precisam ser ouvidas, respeitadas e envolvidas desde o início. O turismo só é sustentável quando é construído com o território, não apesar dele.
E a nós, profissionais do setor, cabe uma autorreflexão corajosa. Estamos promovendo experiências que realmente respeitam o destino ou apenas replicando modelos predatórios que já colapsaram em outras partes do mundo? Turismo não pode ser medido apenas por fluxo de visitantes. É preciso considerar o impacto, principalmente sobre quem permanece quando o turista vai embora.
O Brasil ainda tem tempo para evitar o colapso que já atinge destinos consagrados mundo afora. Mas seguir ignorando os sinais custa caro: expulsa moradores, destrói identidades e transforma lugares únicos em vitrines vazias.
Precisamos parar de celebrar números e começar a cuidar de pessoas. Porque no turismo, sucesso que não inclui o território é só maquiagem. E maquiagem, um dia, derrete.
Porque no fim das contas, não existe destino turístico viável sem território vivo.
O debate sobre a turistificação precisa ganhar mais vozes, mais territórios e mais consciência. Você já percebeu sinais disso na sua cidade ou região? Compartilhe este artigo, leve essa conversa para seu grupo de trabalho, sua comunidade ou suas redes. O turismo do futuro depende da nossa escuta e das escolhas que fazemos agora.
Alessandra Lontra
Jornalista especializada em turismo, turismóloga provisionada, mercadóloga e consultora em desenvolvimento de destinos. Finalista do Prêmio Nacional do Turismo 2018, do Ministério do Turismo é referência em comunicação estratégica, governança e criação de roteiros turísticos sustentáveis no Brasil.
Elzário P.S. Júnior
Parabéns pela reflexão que já vem sendo discutida exclusivamente na academia desde 90’s…infelizmente a prioridade ainda não é por profissionais que entendem da complexidade socio-economica-ambiental desse fenômeno humano e atividade econômica para fazer gestão pública de Turismo…esse é o inicio!