Depois de três voltas ao mundo velejando e mais de 30 anos vivendo no mar, ela dedica a próxima expedição, Voz dos Oceanos, a despertar a consciência sobre a quantidade de plástico depositado no oceano e propor soluções: “Me deu vontade de devolver para o oceano o bem que ele nos fez”
A velejadora Heloisa Schurmann tem 75 anos e já deu três voltas ao mundo em família. Ela, que dedica a vida ao mar, tem mais uma viagem marcada para agosto e um objetivo latente: o combate à poluição dos oceanos. O foco da expedição Voz dos Oceanos, que navegará pela pela costa brasileira, ilhas do Caribe, Estados Unidos, Bermudas, Polinésia e Nova Zelândia, é despertar a consciência sobre a quantidade de plástico depositado no oceano e propor soluções. Para isso, serão 24 meses a bordo do veleiro Kat, todo equipado para ser sustentável, do tratamento de esgoto à ausência total de utensílios de plástico e embalagens.
“Pesquiso sustentabilidade não é de hoje, participo de congressos, seminários, leio muito”, explica Heloisa, em conversa com Marie Claire. “Buscamos soluções porque não adianta só falar mal do lixo”, diz. A vontade de dedicar essa próxima viagem à causa ambiental vem de experiências assustadoras com praias sujas e lixo na água. “Começamos a ver o oceano ser invadido por plástico. As pessoas não sabem que está pior do que se pensa”, diz, citando dois destinos paradisíacos, completamente isolados, Henderson Island e West Fayu, ambos no Pacífico, onde encontraram lixo trazido pelo mar. “Me perguntei o que vamos deixar para as próximas gerações. Me deu vontade de devolver para o oceano o bem que ele nos fez.
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Segundo o grupo Ocean Conservancy, que recolhe lixo em praias no mundo todo desde 1986, em 2020 o poluente mais encontrado foram embalagens plásticas, superando as bitucas de cigarro, que lideraram a lista por mais de 30 anos. Um estudo divulgado na revista Galileu estima que há 14 milhões de toneladas de plástico nos oceanos. Uma reportagem do jornal O Globo do final de 2020 noticiou que o levantamento da ONG Oceana, que constatou que o Brasil despeja 325 mil toneladas de lixo plástico por ano no mar.
Para quem compartilha com Heloisa a vontade de proteger os oceanos, ela sugere pequenas mudanças no cotidiano, como deixar de consumir produtos com embalagens cheias de plástico, dispensar as garrafas descartáveis, preferir ecobags, trocar a escova de dentes convencional por uma de bambu, e diz ser importante cobrar as pessoas por consciência. “Antigamente não se falava disso e eu era a ‘ecochata’. Agora sou a ‘ecosexy’ porque as pessoas estão prontas para essas mudanças. Mas é preciso oferecer soluções.”
Há pouco menos de três meses da partida, Heloisa já começou sua preparação. “Estou desapegando. Estou há alguns anos em terra e você vai adquirindo coisas. Minha preparação começa com desapegar. E curtir os filhos e netos antes da separação”. Os anos a bordo ensinaram uma valiosa lição sobre viver com pouco. “O que tenho hoje, que acumulei ao longo dos anos, tem que caber em uma mala. É preciso minimizar as necessidades. Tenho dois pares de calçado, estou sempre de camiseta e shorts ou agasalho. Sou minimalista desde 1984, quando trocamos uma casa de 400m2 por um barco de 44.”
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Na mala, Heloisa leva apenas o essencial, que inclui alguns objetos pessoais que ocupam pouco espaço, como fotos. “Aprendi a viver com pouco, não posso comprar nada porque não cabe. Tudo tenho que pensar se preciso mesmo, e sigo a regra de que se compro algo, outra coisa tem que ir embora”. O estilo de vida adotado para se adaptar ao pouco espaço do barco é uma aula de sustentabilidade: Antes da reciclagem vem o consumo consciente, seguindo os princípios de reduzir, recusar, repensar e reutilizar.
A história de Heloisa com o mar começou em 1974, em uma viagem como marido a Saint Thomas, no Caribe. “Fomos fazer um passeio de veleiro e quando o vimos navegando, as ondas batendo no casco, o vento, foi amor à primeira vista. Decidimos que faríamos uma viagem velejando”, conta. “Morávamos no centro de Florianópolis, com dois filhos pequenos. O Vilfredo (marido de Heloisa desde 1960) é economista e tinha um escritório de projetos industriais, eu tinha uma escola de inglês.”
Antes de jogar tudo para o alto, eles começaram a se organizar: “Fizemos três listas: o que queríamos, como e quanto”. A data de partida foi estabelecida para dali dez anos, quando o então filho caçula, David, completaria 10 anos – eles já tinham Pierre, na época com 6 anos. Na década dedicada a planejar a viagem, eles fizeram cursos, foram morar perto do mar e colocaram tudo na ponta do lápis – nesse meio tempo veio mais um filho, Wilhelm.
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As crianças foram criadas com a viagem em vista. “Não tínhamos TV em casa, liamos muitos livros de aventura. Eles cresceram nesse clima de querer conhecimento”. Em 1984, zarparam. Deram a volta ao mundo em dez anos viajando, e os meninos foram crescendo e decidindo deixar a vida no mar para trás. Pierre e David desembarcaram para estudar, e. Heloisa, tão desapegada das coisas materiais, precisou praticar o desapego emocional. “Desde o início sabemos que os filhos vão partir. Eles cresceram com a liberdade de escolher o que queriam fazer.”
Heloisa e Vilfredo voltaram a ter uma criança a bordo em 1995, quando adotaram Kat, aos três anos de idade. A menina aparece na série documental que foi exibida no Fantástico no final da década de 90, que acompanhou a segunda volta ao mundo dos Schurmann. Kat era portadora do vírus HIV desde seu nascimento e faleceu em 2006, aos 13 anos.. “Ela viveu aventuras sem limitações, nunca colocamos um ponto final em sua história”. O nome da menina batiza o veleiro que estará no mar em agosto, “é como se Kat nos levasse”, diz Heloisa, “ela só mudou de plano”.
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“Não esperávamos que ela fosse embora. Como mãe e mulher, abriu um buraco em mim”, conta. Heloisa lidou com o luto escrevendo sobre seus sentimentos, e acabou indo em busca dos fatos que faziam parte da vida da filha antes da adoção. A história virou livro, publicado pela editora Harper Collins, e filme, sob direção de David Schurmann. Pequeno Segredo chegou aos cinemas em 2016 e foi a produção brasileira escolhida para disputar uma vaga no Oscar de melhor filme estrangeiro.
Aos 75 anos, e com planos para os próximos seis – com a possibilidade de mais uma volta ao mundo – Heloisa quer se desenvolver cada vez mais. “Me perguntam se vou me aposentar, e eu respondo, me aposentar de quê?”, brinca. A vitalidade vem do autocuidado. “Cuido da saúde, da alimentação, faço meditação, posso ser agitada mas sempre tiro um tempo para me centrar. Tomo as vacinas porque os cientistas sempre tem razão. Todos os clichês do bem estar funcionam. E é fundamental ter bom humor, não olhar para trás, olhar para o que eu quero no futuro”. A parceria com Vilfredo e com os filhos, perto ou longe, também é indispensável. “Sonhar junto”, diz. “Se sonhássemos sozinhos o barco morreria na praia. A família cria uma rede de amor.”
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Essa matéria faz parte da iniciativa #UmSóPlaneta, união de 19 marcas da Editora Globo, Edições Globo Condé Nast e CBN. Conheça o projeto aqui.
Marrie Claire