Projeto Radiotelescópio Bingo anunciou nesta quarta-feira (3) a publicação de sete artigos na revista científica Astronomy & Astrophysics sobre o desenvolvimento do equipamento, projetado para pesquisas nas áreas de astrofísica e cosmologia. Liderado pela USP, com colaboração internacional, o projeto está construindo um radiotelescópio em Aguiar, município no sertão da Paraíba, que deve começar a operar no primeiro semestre de 2023. O objetivo é mapear e analisar emissões de gases no céu, captadas como ondas de rádio, para entender o funcionamento de uma das regiões mais desconhecidas do Universo, o setor escuro. O anúncio da publicação dos artigos foi feito pelo coordenador-geral do projeto, Elcio Abdalla, físico e professor do Instituto de Física (IF) da USP, durante entrevista coletiva virtual transmitida pelo Youtube.
De acordo com o físico, a ideia do radiotelescópio surgiu em 2010, quando já fazia pesquisas teóricas sobre o setor escuro. “Ele corresponde a 95% do Universo, é a parte que nós não vemos. Nessa ocasião tivemos um contato com a Universidade de Manchester, no Reino Unido, para estender o estudo teórico ao campo experimental; fazer física teórica é uma parte do entendimento, o que propomos é observar a estrutura dessa parte fascinante do Universo, que pouco conhecemos”, relata Abdalla. “A partir dessa união entre teoria e observações, foi feita uma proposta à Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo [Fapesp], fomos procurar o local para instalar o radiotelescópio, dando preferência a alguma região do Brasil, e encontramos um sítio na Paraíba que reúne duas condições essenciais, a limpeza do local em relação a ondas eletromagnéticas e o apoio da Universidade Federal de Campina Grande (UFCG), hoje parte fundamental do projeto, e do governo do Estado da Paraíba.”
“A publicação dos sete primeiros artigos sobre o Bingo são a pedra fundamental científica do projeto. Eles descrevem a tecnologia, a eletrônica, o tipo de observação usada, descrevem a óptica pela qual nós vamos observar o Universo, descrevem como nós separamos a parte científica do ruído, que é muito difícil, mostram como esses ruídos são gerados, qual é a visão que esperamos do projeto e qual é a ciência que vamos tentar observar”, ressalta Abdalla. “Vamos observar a estrutura do Universo e, portanto, a estrutura do setor escuro, além de outros objetos astrofísicos, como as rajadas rápidas de rádio, que são emissões altamente energéticas, as quais deixam marcas que serão observadas pelo radiotelescópio.”
Com o apoio do governo do Estado da Paraíba, a equipe do Bingo realiza um projeto de divulgação científica com alunos do ensino fundamental de escolas da região de Aguiar. O funcionamento do radiotelescópio é descrito nos artigos O Projeto BINGO I: Oscilações Acústicas Baryon de Observações Integradas de Gás Neutro, The BINGO Project II: Instrument Description, O Projeto BINGO III: Projeto óptico e otimização do plano focal, O Projeto BINGO IV: Simulações para avaliação de desempenho de missão e etapas preliminares de separação de componentes, O Projeto BINGO V: Etapas Adicionais em Separação de Componentes e Análise, The BINGO Project VI: Hi Halo Occupation Distribution and Mock Building e Projeto BINGO VII: Previsões cosmológicas de mapeamento de intensidade de 21 cm, publicados na edição de agosto da revista científica Astronomy & Astrophysics.
O professor explica que a existência do setor escuro foi prevista na década de 1930 do século passado. “As pessoas olhavam para o céu e viam pontos com atração eletromagnética, mas que não tinham luz. Durante mais de 70 anos houve um mistério, as pessoas não sabiam se o setor escuro existia ou não, até o momento em que se verificou que há dois tipos de objetos escuros no Universo”, afirma. “Esses objetos são a matéria escura, que é conhecida apenas porque exerce atração gravitacional, e a energia escura, que é muito mais desconhecida. O que se propõe com o Bingo é descobrir alguma estrutura interna, todas as partículas, dos 5% de matéria escura que são detectáveis, estruturas formadas por gases conhecidas como bárions.”
Thyrso Villela, pesquisador do Inpe que integra a equipe do projeto, aponta que o radiotelescópio irá sintonizar, por meio de radiofrequência (numa faixa de onda similar à dos telefones celulares), emissões radioativas de hidrogênio, o elemento químico mais abundante em todo o cosmos. “Tais emissões aconteceram quando o Universo começava a se formar”, ressalta. “Depois do sinal ser limpo de interferências, ele será analisado, fornecendo evidências de como se deu a expansão do Universo e da estrutura do setor escuro.”
Desde o início do projeto foram investidos R$ 30 milhões na construção do radiotelescópio, com a maior parte dos recursos vindos da Fapesp, da Financiadora de Estudos e Pesquisas (Finep), do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI), do governo da Paraíba, por meio da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado da Paraíba (Fapesq), além de contribuições da China e de outros países. “Atualmente em Aguiar, na Serra da Catarina, estão em obras a estrada de acesso e os alicerces que receberão a estrutura de sustentação do radiotelescópio, em fabricação na China. Essa estrutura receberá duas antenas e um conjunto óptico de 28 cornetas, cada uma com 1,8 metro (m) de abertura e 5 m de comprimento, responsáveis pela captação das emissões em radiofrequência, projetadas no IF e que estão sendo feitas numa indústria em São Paulo”, descreve o físico. “A parte eletrônica do equipamento, que fará a limpeza do sinal e sua análise, está em elaboração no Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) e na UFCG, e o projeto irá dispor de computadores de alta potência importados dos Estados Unidos. O plano é que as obras estejam concluídas e a calibração do equipamento de observação tenha início no primeiro semestre de 2023.”
Coordenado pela USP, o Projeto Radiotelescópio Bingo tem a participação, no Brasil, do Inpe e da Universidade Federal de Campina Grande (UFCG), na Paraíba. No exterior, o projeto tem a colaboração da Shanghai Jiao Tong University e da Yangzhou University (China), da University College London e da University of Manchester (Reino Unido), além de pesquisadores da Alemanha, Espanha, França e Itália, entre outros países. Outros detalhes estão no site do projeto.
Jornal da USP