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Artigo

O fim do império do sol

Quando o sabor vira história e o turismo se transforma em pertencimento - Imagem criada com IA por Ale Lontra

Por Alessandra Lontra

Durante muito tempo, o Brasil vendeu uma única imagem de lazer: o país do sol eterno, das praias sem fim, da felicidade em frente ao mar. Foi bonito enquanto durou, mas o império do sol começa a perder poder.

Dados recentes do Ministério do Turismo mostram que o segmento “sol e praia” ainda é o maior, com 44,6% das viagens de lazer, mas já não reina sozinho. Cultura e gastronomia chegaram a 24,4% e seguem crescendo, ano após ano, como o único recorte que não para de subir. A natureza e o ecoturismo mantêm 21,7%, estabilidade que, num país que abriga mais de 20% da biodiversidade do planeta, soa mais como desperdício do que como conforto.

Não se trata de uma simples mudança de cenário, e sim de mentalidade.
O viajante contemporâneo já entendeu que lazer não é pausa, é propósito. Ele quer comer o que tem história, ouvir quem carrega sotaque, caminhar por lugares onde a natureza ainda respira e as pessoas ainda vivem o que pregam. Quer experiências que não cabem em fotos.

Em 2024, o turismo doméstico movimentou R$ 22,8 bilhões, segundo o IBGE, um crescimento de 11,7% sobre o ano anterior. O número revela uma virada silenciosa: o brasileiro não viaja necessariamente mais, viaja melhor. Escolhe experiências com valor simbólico, e não apenas preço promocional.

Mesmo assim, muitos destinos continuam vendendo o Brasil de sempre: o mesmo sol, o mesmo mar, o mesmo pacote repetido. Só que a praia, sem narrativa, virou clichê. É a história contada pela metade. O turista que busca sentido não se contenta com o cenário, ele quer o bastidor.

Cultura e gastronomia são hoje os novos porta-vozes do turismo de experiência. Um prato típico bem contado vale mais do que um pôr do sol sem contexto. Uma feira livre pode ser mais inesquecível que uma orla badalada, se tiver gente com brilho nos olhos e orgulho em mostrar quem é.

E o ecoturismo, esse gigante adormecido, precisa acordar. Temos os biomas mais ricos do planeta, mas poucas trilhas estruturadas, guias capacitados ou políticas consistentes. Falta menos natureza e mais gestão. Sem manejo, o verde vira foto; com manejo, vira valor.

No fundo, o que se vê é um rearranjo das emoções que movem as viagens. O lazer que antes era fuga, agora é reencontro. A paisagem deixou de ser protagonista e passou a dividir o palco com a cultura, a comida, o sotaque, o ritmo. É a viagem que se faz para descobrir o outro, e, de quebra, a si mesmo.

O “império do sol” não acabou por falta de luz, mas por excesso de sombra: a sombra do comodismo, da repetição, da ausência de propósito. O viajante mudou, e o Brasil precisa mudar com ele.

A questão é: vamos continuar vendendo o cenário ou aprender, de uma vez por todas, a vender o sentido?

Alessandra Lontra é jornalista multimídia especializada em Turismo, mercadóloga e turismóloga provisionada pela ABBTUR. Com mais de 40 anos de atuação estratégica, é referência nacional em inovação no setor, com forte atuação em governança, roteirização, comunicação digital e inteligência artificial aplicada ao turismo. Lidera o portal Ale Lontra – Notícias em Movimento para um Turismo Além do Óbvio. www.alelontra.com.br.

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