Com atividades suspensas pela pandemia de Covid-19, exibidores acumulam despesas e esperam liberação do fundo do audiovisual
O desabafo partiu de Adriana Rattes, uma das sócias-fundadoras do Grupo Estação, que há 35 anos forma gerações de cinéfilos no Rio. Pressionada pela crise, a empresária, que foi secretária estadual de Cultura do Rio entre 2007 e 2014, relatou numa sequência de tuítes as dificuldades de arcar com as despesas e a folha de pagamento dos 75 funcionários do grupo. E encerrou com um apelo: “Convoco aqui todo mundo que pode ajudar a pensar e a solucionar situações como esta. Claro que não somos os únicos”.
E não são mesmo. Mais de um mês depois do fechamento de praticamente todas as salas de cinema do país, o drama dos exibidores começa a virar uma ameaça concreta de apagão. Desde (26) de março, a bilheteria é zero — a única exceção fica por conta de dois cinemas do Rio Grande do Sul, que reabriram na sexta-feira passada, com público de 116 pessoas até domingo. Hoje, tanto redes com abrangência nacional quanto pequenos cinemas de rua encaram o risco de não conseguir retomar os trabalhos.
O drama dos exibidores soma-se ao do setor cinematográfico como um todo — e, vale lembrar, da classe artística brasileira —, que clama por medidas de apoio do governo federal. No caso específico do audiovisual, Ancine e BNDES preparam uma linha emergencial de crédito, com recursos do Fundo Setorial do Audiovisual (FSA), para bancar a folha de pagamento das empresas por um ano, com custos baixos.
Mas ela esbarra na burocracia: o comitê gestor do FSA precisa se reunir para que a proposta — e a liberação de todo o fundo emperrado, da ordem de R$ 700 milhões — tenha progresso. Aí, nova burocracia: como o comitê está alocado no Ministério da Cidadania, e a Secretaria Especial da Cultura migrou para o do Turismo, nada anda. A própria Ancine necessita de regulamentação para passar para o comando da secretária Regina Duarte.
Procuradas, Ancine e Secretaria Especial da Cultura não se manifestaram até o fechamento desta edição, às 20h30.
— Sabemos que todos os setores foram impactados pela pandemia, mas deveria haver uma linha voltada para áreas com faturamento zero, como é o caso dos exibidores — diz Adriana Rattes. — Podemos perder em poucos meses todo o investimento feito no audiovisual brasileiro nos últimos anos, com vários cinemas fechando, ainda mais no interior. Pode haver um apagão no setor.
Ela lembra que o Grupo Estação, que tem quatro cinemas com 12 salas, em Botafogo, na Gávea e em Ipanema, teve uma receita de R$ 21 milhões no ano passado. Mas, com as despesas fixas e os encargos, não há capital que seja capaz de manter o negócio fechado por tantos meses.
— Só os impostos sobre o faturamento e o recolhimento do Ecad (Escritório de Arrecadação e Distribuição de direitos autorais) já consomem 45% da arrecadação mensal. Temos aluguéis que variam de R$ 50 mil a R$ 70 mil, e uma folha de R$ 140 mil por mês — detalha Adriana, que tentou recorrer à linha de financiamento do BNDES voltada para empresas em geral, mas não conseguiu porque teve faturamento bruto de mais de R$ 10 milhões em 2019.
O BNDES informa que existe como alternativa o programa “Crédito Pequenas Empresas, disponível para uso livre de todos os setores e empresas com faturamento anual de até R$ 300 milhões”. Em ambas as modalidades, são bancos particulares e públicos que operam os créditos. No entanto, o Programa Emergencial de Suporte a Empregos, para empresas com faturamento de até R$ 10 milhões, tem uma taxa limite de 3,75% ao ano, enquanto que na linha mais ampla o teto é definido por cada banco, o que deixa as taxas, na média, entre 8% a 12%.
Para além dos desafios a serem enfrentados durante a pandemia de Covid-19, há um forte receio do que virá depois. Os exibidores temem que o retorno do público às salas não ocorra na mesma progressão que a retomada dos custos de financiamento. Nos EUA, Mark Zoradi, CEO do Cinemark, chegou a fazer uma previsão de reabertura gradual das salas para meados de junho. No Brasil, a rede preferiu não se pronunciar.
Uma das medidas pensadas por Adhemar Oliveira, do Espaço de Cinema, neste tempo de portas fechadas, é promover uma pré-venda de ingressos, que serão validados aos clientes após a quarentena. Com 61 salas espalhadas por seis estados, como Rio, São Paulo e Minas Gerais, o exibidor tenta articular a ideia com secretarias municipais de Cultura, com dificuldade.
— É necessária uma maior velocidade de ações. Na quarta-feira está marcada uma reunião com a Câmara Técnica montada pela Ancine, esperamos que saia algo concreto dela. Minha perspectiva é a de que ainda vamos sofrer por quatro meses após o fim do confinamento — aposta Oliveira, que emprega, diretamente, 350 pessoas.
Mas para recuperar o fôlego de bilheteria, é preciso ter em cartaz produtos de peso. É um alerta que faz Ricardo Difini, presidente da Federação Nacional das Empresas de Exibição Cinematográfica (Feneec). Para ele, a exibição das apostas dos grandes estúdios americanos é um elemento crucial para a recuperação da saúde financeira do setor. Títulos como “Mulan” e “Viúva Negra”, que deveriam estrear no país respectivamente em março e abril, foram adiados para julho e outubro.
— Estar com as salas fechadas pode ser menos grave do que tê-las abertas sem nosso potencial completo. Dependemos do calendário americano de estreias, dos blockbusters que foram retidos com a pandemia— analisa ele.
PEGN